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SAÚDE EMOCIONAL NA PANDEMIA É POSSÍVEL?

  • Foto do escritor: Rafael Sousa
    Rafael Sousa
  • 30 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 7 de set. de 2021

Inicio o texto com esse questionamento que me toma de assalto desde o início desta pandemia e que me coloca, como psicólogo, na tarefa de refletir a todo instante sobre a possibilidade de promover espaços-tempos de produção de saúde emocional. Não tem sido uma tarefa fácil!



Para vislumbrarmos alguma resposta para essa pergunta, quero refletir primeiro sobre a expressão “saúde emocional” que dentro das minhas leituras e reflexões críticas podemos definir assim: “saúde” como um movimento de produção de cuidado, pensando saúde como algo que se cria, consigo e com o outro. Cuidado como sendo a atitude de zelo, respeito e cordialidade. E quando agregamos ao termo “saúde” o “emocional” estamos falando de um tipo de lida cuidadosa com a esfera emocional que nos constitui como humanos.


Muito se fala sobre “gerenciamento de emoções”, sobre “trocar emoções/pensamentos negativos por positivos”, “evitar notícias que nos deixam tristes”, “manter-se produtivo” e de modo algum me coloco no lugar de menosprezar esses métodos. No entanto, não me furto ao olhar crítico e penso que falar sobre saúde emocional em época de pandemia tem menos a ver com “esforçar-se em sentir-se feliz e produtivo no caos” e mais com olhar para o entorno, compreender a atmosfera afetiva que nos cerca, deixarmo-nos abater por ela e em processo íntimo transformá-la.


O que isso significa, então? Significa que é alienação pensar que saímos ilesos, como se estivéssemos em uma bolha, quando a Vida humana está diariamente sendo ameaçada e ceifada. Aqui, se coloca a questão do outro: nesses tempos fica evidente como cuidar de si é também cuidar do outro. Uma negligência com minha proteção é também uma negligência com a proteção do outro. A pandemia deixa muito claro nosso caráter humano de “interconectividade”. Nada acontece comigo que não impacte no outro.

E o que podemos fazer então com tudo isso que nos cerca e ainda assim nos mantermos de pé sem sucumbir? Não há uma resposta correta e universal. Acredito que o caminho seja respeitar e aceitar os afetos que nos acontecem e de jeito nenhum se conformar com todos eles, mas antes aceitar para compreender e a partir disso produzir algum sentido e transformar os afetos em ação.


Esmiuçando melhor essa compreensão: aqui no Brasil em tempos pandêmicos o clima é de morte, ansiedade, para alguns de desespero, tristeza, medo, desesperança, cansaço… no final, não há quem não esteja de algum modo afetado. É preciso, portanto, reconhecer que esses afetos não brotam do nada, eles acontecem porque há razões para acontecer. Olhem o entorno! Como não ficar triste com as mortes, com a violência? Como não se indignar com as negligências políticas? Como se manter calmo diante da indiferença dos que chacotam com os efeitos da pandemia? O que quero dizer, é que todo tipo de afetação pode acontecer. Localizar isso na ordem do esperado é o primeiro passo. E entender que ficar triste não é fraqueza sua, sentir-se cansado e improdutivo não é fracasso.


E logo quando aceitarmos isso e tirarmos da esfera do estritamente individual a causa desses afetos e emoções, deixarmos eles acontecerem em nós. Não é agradável, não é bonito, por vezes doloroso. Mas quando os encaramos de frente e entendemos para qual problemática eles apontam, conseguimos mobilizar os recursos, sejam internos e/ou externos para dar-lhes vazão e transformá-los em alguma coisa: em uma pintura, em escultura, em um texto, em uma música, um diálogo, em um choro, em uma foto, em performance teatral, em crochê, em uma ação social, e assim devolvermos ao mundo por outras vias e de outros modos os afetos que este mesmo mundo nos causou.

Quando em sessão de psicoterapia essa temática surge, tento empreender com a demandante do meu serviço primeiro a necessidade de compreender o que se passa em seu íntimo e só então pensamos em como lidar com essas emoções e afetações. Tantas vezes, essas emoções se tornam textos, desenhos, choro. Às vezes, a própria expressão verbal já é suficiente. E aqui evidencia-se a importância de um processo psicoterapêutico porque ele chega para facilitar processos de compreensão do que se passa no mundo e no íntimo de cada um. Não traz soluções, mas cria recursos para ler e transformar o mundo.


Então, respondendo à pergunta inicial: sim! É possível. Se entendermos com isso a aceitação das emoções, não somente as felizes e de bem-estar, mas todas e a partir dessa aceitação, em atitude de cuidado consigo e com outro, criar modos de transformar a si e ao mundo. A saúde emocional trata-se menos de um estado e mais como uma produção que nos exige sensibilidade, atenção e serenidade para enxergar com clareza o que está nos acontecendo e criar uma resposta para isso.



Rafael Silva

Psicólogo CRP 11/14627

Pós-graduando em Psicologia e Psicoterapia Online (PUCRS)

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