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A possibilidade de um encontro com o eu(-mundo).

  • Foto do escritor: Rafael Sousa
    Rafael Sousa
  • 15 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

Nas últimas semanas fui flagrado por mim mesmo no exercício de me descobrir enquanto em meu direito (embora em nossa conjuntura sócio-política mais se apresente como privilégio) de estar em distanciamento social me permitia esse ócio. Suspeitava que esse processo de me descobrir [que sucintamente significo como lançar olhar para aquilo que ainda em mim era velado e desconhecido] não estava sendo realizado apenas por mim, mas ainda não tinha me deparado com alguém que estivesse nessa mesma sintonia e exercício.

Ao retornar para meus atendimentos presenciais (dentro de todos os cuidados possíveis e depois de uma longa pausa) descobri pela fala de alguns dos meus clientes que a pandemia e o estar em distanciamento social possibilitou-lhes, assim como a mim, um tipo de aproximação com eles próprios e consequentemente um tipo de desvelamento de si que se expressava em discursos como: "Eu percebi que eu precisava disso...", "Eu percebi que eu gostava daquilo...", "Eu não sabia que... me afetava.". Expressões simples que revelam um ínfimo momento de epifania que é capaz de mudar o curso dos caminhos, que retratam esse encontro muito íntimo consigo mesmo. Isso aconteceu com você?


Então, a partir desse momento epifânico esses alguns clientes resolveram começar a psicoterapia. É importante pontuar que a psicoterapia não pode ser o recurso mais adequado nesse momento de pandemia para acolher uma crise que tem sua origem dentro desse cenário. Há outros serviços psicológicos que respondem mais adequadamente e com maior qualidade às demandas desse cenário que caotiza nosso ser. No entanto, aqui não estamos falando de uma crise desestruturadora do ser (se assim podemos dizer) como tradicionalmente a entendemos, estamos falando de um momento que se dá, às vezes de modo muito sereno, e que tem a força de se registrar na nossa jornada e nos desvelar um novo horizonte possível de se trilhar.


A possibilidade da descoberta é a possibilidade da reinvenção de si, da compreensão do modo de existir atual e a abertura àquilo que se pode ser. É o olhar que se ilumina e vê! É um "Aah!", aquele segundo da surpresa, a súbita compreensão. E para muitos (espero que se apresentem) esse foi o momento que possibilitou essa descoberta. E não se trata de um discurso romântico que tenta atenuar a solidão do distanciamento social, a escuridão desses tempos tenebrosos da pandemia, a dor de mais de 100 mil mortes que pesa sobre nossos ombros. Não! Na verdade, surge desse senso coletivo, desse co-viver, desse compartilhar de mundo, pois nenhum processo de autopercepção e transformação que acontece em nível individual deixa de ressoar em toda uma estrutura relacional e nenhum pode surgir se não a partir dessa estrutura. É uma teia!


A escolha, portanto, de iniciar um processo psicoterápico vem mais do desejo de continuar nesse processo de se descobrir, de alargar esse segundo epifânico e ampliar a compreensão desse modo de existir novo que se apresenta como possibilidade: é a existência querendo se (re)fazer.


É certo que nenhum processo de psicoterapia é um mar de rosas, implica presença, é preciso estar e se debruçar na atividade de compreender a si que, repito, nunca(!) está separado da compreensão do nosso mundo que é histórico, social e político. Somos mundo! Somos história! Fazemos parte de um entremeado de relações inseparáveis. E talvez esse seja a grande tarefa da psicoterapia: facilitar esse processo de compreensão do eu-mundo.


A minha saúde implica a saúde do outro, o meu bem-estar implica o bem-estar do outro. E se ainda isso parece um discurso muito abstrato é só pensar na razão do distanciamento social e tudo será respondido. E se isso também parece distante do discurso do "encontro consigo" é preciso ainda entender que quando eu me conheço, eu tenho a possibilidade de responder por aquilo sou, de compreender e me responsabilizar pelo meu modo de existir e como que a minha existência afeta a existência do outro, do mundo e como que eu quero que ela afete a partir de agora.


Quero deixar um trecho da música "Até quando?" de Gabriel O pensador:



Por quanto tempos andamos à esmo? Por quanto tempo ainda vamos viver na automaticidade do mundo? Por quanto tempo ainda vamos engolir sem mastigar? Por quanto tempo ainda vamos caminhar passos que não são realmente nossos? A massividade nos faz cegos para aquilo somos mais originariamente: POSSIBILIDADES!


Eu me descobri escritor! Um outro se descobriu como pai. Outra ainda se descobriu como mulher. Eu te convido a se descobrir e se quiser se narrar nesse processo.


Cordialmente,

Rafael Sousa Silva




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